Autocrítica como enfrentamento à colonialidade das abordagens comunicacionais brasileiras
Self-criticism as a confrontation with the coloniality of Brazilian Communicational Approaches
La autocrítica como confrontación con la colonialidad de los enfoques comunicacionales brasileños
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Tiago Barcelos Pereira SALGADO
Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais
Oricd: https://orcid.org/0000-0003-1274-1845
tigubarcelos@gmail.com
Luciana DE OLIVEIRA
Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais
Oricd: https://orcid.org/0000-0002-7063-7811
luciana.lucyoli@gmail.com
Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación
N.º 150, agosto - noviembre 2022 (Sección Monográfico, pp. 113-128)
ISSN 1390-1079 / e-ISSN 1390-924X
Ecuador: CIESPAL
Recibido: 06-03-2022 / Aprobado: 11-08-2022 / Publicado: 21-08-2022
Resumo
Revisamos criticamente a colonialidade das abordagens comunicacionais brasileiras com base nos cinco livros de Teorias da Comunicação mais citados no Brasil. Essa autocrítica localiza a hybris do ponto zero de tais narrativas, que delimita apenas um depois da modernidade, com o surgimento de fenômenos massivos somados aos avanços técnicos das mídias e à especialização profissional das habilitações de Comunicação. Investigamos como o paradigma dominante colonial moderno se manifesta discursivamente nos livros. Predominam abordagens estadunidenses e europeias, formuladas por homens brancos, que configuram um cânone tradicionalmente perpetuado no ensino de Comunicação no Brasil. Isso reforça e evidencia a relação mútua entre colonialidade do poder, do saber e do gênero, incidindo sobre e formatando uma geopolítica do conhecimento.
Palavras-chave:comunicação, epistemologia, decolonialidade, livros de teorias da comunicação.
Abstract
The article critically reviews the coloniality of Brazilian Communicational Approaches based on the five most cited Communication Theories books in Brazil. This self-criticism locates the hybris of the zero point of such narratives, which delimits only one after modernity, with the emergence of massive phenomena added to the technical advances of the media and the professional specialization of Communication skills. We investigate how the dominant modern colonial paradigm is discursively manifested in the books. American and European approaches, formulated by white men, predominate, which configure a canon traditionally perpetuated in the teaching of Communication in Brazil. This reinforces the mutual relationship between coloniality of power, knowledge and gender, focusing on and shaping a geopolitics of knowledge.
Keywords: communication, communication theories books, epistemology, decoloniality.
Resumen
Revisamos críticamente la colonialidad de los enfoques comunicacionales brasileños en los cinco libros de Teorías de la Comunicación más citados en Brasil. Esta autocrítica ubica la hybris del punto cero de tales narrativas, que delimita solo uno después de la modernidad, con el surgimiento de fenómenos masivos sumado a los avances técnicos de los medios y a la especialización profesional de las habilidades comunicativas. Investigamos cómo el paradigma colonial moderno dominante se manifiesta discursivamente. Predominan los enfoques americano y europeo, formulados por hombres blancos, que configuran un canon tradicionalmente perpetuado en la enseñanza de la Comunicación en Brasil. Esto refuerza y destaca la relación mutua entre la colonialidad de poder, saber y género, enfocando y configurando una geopolítica del conocimiento.
Palabras clave:comunicación, epistemología, decolonialidad, libros de teorías de la comunicación.
Introdução
As abordagens comunicacionais brasileiras foram colonizadas por tradições modernas europeias e estadunidenses acerca da comunicação, as “Teorias da Comunicação”. Considerando que há indícios dessa colonialidade nos cinco livros acerca dessas teorias mais citados no Brasil, este trabalho realiza uma autocrítica da área de Comunicação nesse país com base na noção de “giro decolonial” (Castro-Goméz, 2007; Ballestrin, 2013).
De fato, as formulações latino-americanas acerca da comunicação, calcadas em modelos supostamente universalistas, centrados num sujeito do conhecimento transparente, racional e impessoal, operam a colonização pela via do patriarcalismo, do racismo, do classismo e da heteronormatividade, que conformam as bases da expansão do capital e do poder geopolítico das potências do Norte global. O ensino de Comunicação no Brasil naturalizou um modelo que vincula sua gênese ao advento das mídias e das massas, do capitalismo industrial, do modo de vida urbano e das práticas profissionais (Sodré, 2014; França e Simões, 2016, Salgado e Mattos, 2019). Com isso, os sentidos informativo, técnico e instrumental da palavra “comunicação” (Peters, 2008), que guarda afinidades eletivas com o próprio modelo de expansão do capital, têm sido historicamente consolidados por esse “paradigma dominante” (Ballestrin, 2013; Quiroz, 2016), vinculado à colonialidade do saber, do ser, do poder e da sexualidade ou do gênero (Quijano; 1992; Mignolo, 2000; Walsh, 2007; Lugones, 2008). Em função desses tipos de colonialidade, os sentidos dominantes de “comunicação” se sobrepõem aos sentidos etimológicos espiritualista, religioso e comunitário (Salgado e Mattos, 2019).
Este artigo investiga como se configura a “hybris do ponto zero” (Castro-Gómez, 2007) da Comunicação nos cinco livros de “Teorias da Comunicação” mais citados no Brasil, atentando para como a história hegemônica colonizadora é contada conforme os autores, as escolas e os modelos de comunicação mais recorrentes. Essas enunciações expressam a colonialidade do saber, atrelada às demais formas de colonização pela imposição de um discurso geopolítico e econômico, ainda que possam criticar as teorias clássicas e definir comunicação outramente.
A reivindicação das abordagens analisadas como “Teorias da Comunicação” é uma opção feita pelas obras. Antes de 1940, a Comunicação não era institucionalizada como disciplina. Nos anos 1960, apesar de Wilbur Schramm ter reivindicado quatro “pais fundadores” para a Comunicação —H. Lasswell, P. Lazarsfeld, C. Hovland e K. Lewin—, na esteira de Bernard Berelson, eles eram de áreas distintas (Ciência Política, Sociologia e Psicologia) (Varão, 2010).
O mito dos fundadores ressalta a masculinização branca, elitizada, estadunidense e europeia e a exclusão de mulheres, não-europeus e não-estadunidenses. Isso repercute no predomínio de autores com o mesmo perfil dos fundadores e a consequente exclusão de gênero, cor, classe social e posição geopolítica. O impacto também se dá na deslegitimação de outros regimes de conhecimentos que, em função dessas colonialidades, resulta em um enviesamento científico comunicacional que só considera uma matriz de saber como válida e relega as outras ao lugar de não-saber.
Outras pesquisas apontam para a dimensão insular e endógena das propostas europeias e estadunidenses. Para Martino (2013, 2014), as abordagens coloniais sequer mencionam autores/as latino-americanos/as, enquanto estas citam o paradigma hegemônico. Também constatamos a ausência de uma mesma obra que fosse utilizada pela maioria das disciplinas sobre Teorias da Comunicação ofertadas por 52 universidades distintas, conforme aquelas afiliadas à Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS).1 Internacionalmente, os trabalhos de Navarro (1999), Craig (2007), Carey (2009), Lozano e Vicente (2010) e Villanueva (2019, 2020) questionam como os contextos culturais influenciam e impactam a elaboração de Teorias da Comunicação. Ao mesmo tempo, buscam traçar interlocuções entre as abordagens identificadas.
O primeiro tópico deste artigo diagnostica inicialmente a colonialidade das abordagens comunicacionais brasileiras considerando a autocrítica como primeiro passo para a decolonialidade. Para isso, explicita a relação modernidade/colonialidade como um par que opera mutuamente na conformação dos saberes comunicacionais brasileiros. O segundo tópico analisa os livros de referência, verifica quais são os enunciados que explicam a gênese das “Teorias da Comunicação” e quais são as referências mais recorrentes. O último tópico sintetiza os dados analisados e destaca algumas frestas de enfrentamento à colonização das abordagens comunicacionais brasileiras ao considerar os sentidos não hegemônicos de comunicação, voltados para o diálogo e para a abertura de trocas epistêmicas intermundos (De Oliveira; Figueroa e Altivo, 2021).
1. Autocrítica contra a colonialidade
A autocrítica é um dos primeiros passos de enfrentamento à colonialidade nas abordagens comunicacionais brasileiras e implica reconhecer as operações do par modernidade/colonialidade (Quijano, 1992; Mignolo, 2000; Castro-Goméz, 2007; Ballestrin, 2013) em sequência ao colonialismo oficial, incluindo as práticas universitárias, pois o modelo de constituição das universidades foi excludente (Carvalho, 2018). A institucionalização do ensino de Comunicação no Brasil acompanha esse movimento ao priorizar as competências técnicas das habilitações em Comunicação em detrimento de saberes locais e comunitários.
Pensando nos modos de atuação do par modernidade/colonialidade, centro da operação de pensamento dessa matriz, a construção da autocrítica considera recolocar a longa duração histórica como eixo analítico principal do pensamento crítico, sem dissociá-la de um gesto epistêmico. Trata-se de considerar que a diferença colonial (Mignolo, 2000) e as noções de conhecimento e de verdade, que se auto-validam como hybris do ponto zero do conhecimento universal, constituem uma “geopolítica do conhecimento” (Mignolo, 2000) que não é apenas desigual, mas sustentada pelo racismo, pelo genocídio (Quijano, 1992) e pelo epistemicídio. A autocrítica requalifica o diálogo com regimes de conhecimento indígenas, afrodiaspóricos e populares, reconhecendo o valor dos saberes de matrizes não-ocidentais e não-eurocentrados como lugares de produção intelectual, por excelência, decolonial.
Aníbal Quijano (1992) cunha a noção de “colonialidade”, posteriormente desenvolvida por Walter Mignolo (2000), com base no conceito de “geopolítica do conhecimento”. As narrativas da modernidade são pensadas como um quadro epistemológico inseparável do projeto colonial. Como Mignolo (2000), a colonialidade do poder é essencialmente uma colonização do conhecimento, das imagens, dos símbolos, do pensamento. O conceito de colonialidade compreende a colonialidade do poder, isto é, a ideia de raça como fundamento do padrão universal de classificação básica e de dominação social; o capitalismo, como padrão universal de exploração social; o Estado como força central universal de controle da autoridade coletiva e o moderno Estado-Nação como sua variante hegemônica; e o eurocentrismo como força hegemônica de controle da subjetividade/intersubjetividade, em particular no modo de produzir conhecimento.
Na consolidação da Comunicação, naturaliza-se um modelo moderno que vincula a sua hybris do ponto zero ao advento das mídias e das massas. Na América Latina, segundo Martín-Barbero (1992), a Comunicação se forma no cruzamento entre o pensamento instrumental da investigação estadunidense e o paradigma ideologista na teoria social latino-americana. Durante os anos 1960, há redução da comunicação aos meios, aos dispositivos tecnológicos, às suas linguagens e aos seus saberes. Do mesmo reducionismo padeceram a difusão e a implementação da Teoria da Dependência e a crítica do Imperialismo Cultural, visto haver negação da especificidade da comunicação como espaço de processo e práticas de produção simbólica, de modo a ser considerada como reprodução ideológica do capital.
Conforme Martín-Barbero (1992), as descrições hegemônicas acerca das mídias visavam a exaltá-las como instrumentos de dominação ideológica, desconsiderando a recepção e os efeitos das mensagens. Nesse cruzamento, que avança nos anos 1970, as escolas de Comunicação passam a ensinar como manejar os meios e como denunciar os modos como eles manejam as pessoas. A comunicação era entendida como modo de produção da cultura e da sociedade. Nos anos 1980, há um movimento geral nas Ciências Sociais de crítica à razão instrumental. Os meios mediavam a produção de um imaginário voltado para a experiência urbana.
O modelo funcionalista incide nas concepções latino-americanas, que sobrepõem os sentidos transmissivo, técnico, informacional e midiático aos sentidos de interação, partilha, troca e diálogo de “comunicação” (Peters, 2008). Com efeito, a origem latina do termo tem o seu sentido retórico de “coisa comunicada” (communicatio) reforçado pelo vocábulo inglês communication, diretamente atrelado à prática publicitária e às técnicas de transmissão de mensagens (Sodré, 2014). Por isso, os dicionários estadunidenses tradicionalmente vinculam os sentidos transmissivo e técnico à palavra “comunicação”, que passa a ser entendida como transmissão de mensagens ou informações. Na Europa, por influência de abordagens oriundas da Filosofia da Linguagem e da Linguística, que formataram o ensino de Comunicação nos países europeus, o sentido de comunicação também se atrela à transmissão de signos, dentro de uma proposta de ciência geral da humanidade (Sodré, 2014).
O histórico das Teorias de Comunicação comprova, pela vertente estadunidense, que a pesquisa em Comunicação e sua disciplinarização se iniciam com os meios de comunicação de massa (Martino, 2014). As primeiras pesquisas da Mass Communication Research, realizadas pelos “pais fundadores”, pautaram-se pelos efeitos das mídias (Varão, 2010). Em vista disso, os sentidos da palavra “comunicação” são historicamente consolidados pelo “paradigma dominante”, vinculado aos quatro tipos de colonialidade.
2. Os livros como dispositivos de saber-poder da modernidade/colonialidade
A escrita é um esteio importante da colonialidade do poder, com a instauração e a consolidação do paradigma eurocentrado da ciência. O evolucionismo aplicado à comparação dos regimes de conhecimentos serviu aos propósitos coloniais e opera a geopolítica do conhecimento hoje. Para Castro-Gómez (2007), as bases do racismo epistêmico são a secularização e o conhecimento dessubjetivado e desterritorializado como fundamentos de uma suposta neutralidade axiológica e objetividade empírica. Foucault (1996) nomeou o racismo epistêmico de “violência epistêmica” ou “negação epistêmica”, que caracteriza as lógicas de saber-poder. Castro-Gómez (2007) chamou esse ponto de partida do conhecimento de “hybris do ponto zero”, incapaz de conceber um antes dessas formas de conhecimento. Só há um depois, moderno, e todas as formulações de conhecimento devem perseguir o padrão europeu.
Nesse processo, os livros sagram-se como dispositivos de saber-poder (Foucault, 1996) ao sintetizarem os ideais da cultura letrada como superior e ao se relacionam com uma dinâmica reticular de influências que abarca toda a cadeia produtiva da obra, os diferenciados níveis de acesso a ela e uma complexa configuração editorial. Esta inclui a crítica, a distribuição e as formas de recepção e reprodução dos conteúdos. Essas instituições e mecanismos são garantidos, principalmente, pelas ligações entre saber e poder.
Para que se forme um determinado discurso de um saber, são necessárias definições do campo a ser estudado. Essas definições formam os conceitos e as teorias daquele tipo de saber; entretanto, essa formação se dá por meio de escolhas e exclusões. Desse modo, as práticas discursivas não se resumem à fabricação do discurso, mas se incorporam nos modos de fazer, agir, pensar e sentir. O saber aparece, assim, coligado ao poder, mantendo e sendo mantido por ele.
Para verificarmos a colonialidade nas abordagens comunicacionais brasileiras, buscamos localizar como os/as autores/as anunciam e explicam a hybris do ponto zero da Comunicação nos livros analisados. Realizamos uma pesquisa exploratória, listando os livros utilizados em disciplinas de Graduação e Pós-Graduação em Comunicação no Brasil. Sistematizamos apenas as referências dos programas das disciplinas de Teorias da Comunicação disponíveis online, conforme as 52 universidades com Programas de Pós-Graduação filiados à Compós. Ao todo, listamos 531 títulos distintos. Não há uma mesma obra utilizada pela maioria dos programas. Em vista disso, consultamos acervos online de bibliotecas de universidades brasileiras e o site da Amazon para identificarmos livros publicados desde 2000 cujo título apresentasse a palavra-chave “Teorias da Comunicação” ou fosse correlato a essa categoria, tratando-a no decorrer da obra. Encontramos 51 títulos. Com base nesses títulos e autores, em 9 de abril de 2021, buscamos nos sites de indexação Scielo, Scopus, Periódicos CAPES e Google Acadêmico para verificarmos quantas vezes cada obra foi citada até então. Os quatro primeiros apresentaram menos de dez resultados para os títulos, enquanto o Google Acadêmico se mostrou o site com resultados mais completos para todas as obras. Por isso, utilizamos apenas os resultados deste último, sintetizados na Tabela 1.
Tabela 1. Obras brasileiras de Teorias da Comunicação e número de citações no Google Acadêmico
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Obra |
No. de Citações |
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Sodré, M. (2009). Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede.* |
1.804 |
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Hohlfeldt, A., Martino, L. C. e França, V. V. (2001). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Hohlfeldt, A., Martino, L. C. e França, V. V. (2008). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. |
128 665 |
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Martino, L. M. S. (2017). Teoria da comunicação: ideias, conceitos e métodos. ** |
336 |
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Sodré, M. (2014). A ciência do comum: notas para o método comunicacional. |
316 |
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Lopes, M. I. V. L. (Ed.). (2003). Epistemologia da comunicação. |
158 |
* A publicação original data de 2002, mas não é recuperada pelo Google Acadêmico.
** A publicação original data de 2009, mas não é recuperada pelo Google Acadêmico.
Fonte: dados de pesquisa, 2021.
A obra mais citada é Antropológica do Espelho. Apesar de não ter no título o termo “Teorias da Comunicação”, ela retoma a problemática do vínculo social presente em publicações de Muniz Sodré entre 1970 e 1990. Juntamente a essa problemática, Sodré (2002) adiciona os problemas da episteme comunicacional, da midiatização e de seus vetores institucionais e mercadológicos. O primeiro problema trata a episteme comunicacional como estrutura cognitiva para a compreensão das mídias, entendendo que as experiências sociocomunicacionais são mediadas midiaticamente. A midiatização abarca a articulação funcional das instituições tradicionais com as mídias – a noção de bios midiático é central na obra e descreve a vida constituída pelas mídias. A questão da vinculação se refere à “problemática do ser-em-comum ou das trocas simbólicas” (Sodré, 2002, p. 234), presente nas atividades dialógicas e afetivas. Sodré (2002) reivindica a centralidade da condição humana e de suas formas de sociabilidade como integrantes dos estudos de comunicação, de modo que estes não se limitem às mídias. Esse ponto já aponta para o esforço do autor de criticar a colonialidade moderna.
A concepção de comunicação proposta por Sodré (2002, p. 223) considera que a dimensão comunitária do fenômeno comunicacional tem como núcleo teórico: “[...] a vinculação entre o eu e o outro, logo, a apreensão do ser-em-comum (individual ou coletivo), seja sob a forma de luta social por hegemonia política e econômica, seja sob a forma de empenho ético de reequilíbrio das tensões comunitárias”. Esse aspecto, não explicitamente anunciado, caracteriza uma crítica à matriz colonial, pois retoma o sentido comunitário de “comunicação” e o contrasta com os sentidos modernos.
Sobre o objeto teórico da Comunicação, Sodré (2002, p. 222) ressalta uma tensão entre a dimensão comunitária da comunicação e a impregnação de um sentido atrelado ao discurso futurista e capitalista moderno. O autor retoma o paradigma informacional (Shannon e Weaver) para demarcar a gênese da abordagem comunicacional vinculada às mídias. Ele ressalta que a Comunicação, parte, com maior peso, das habilitações profissionais. Além da Teoria Matemática, ele aponta a Escola de Chicago como influente centro de estudos sobre a comunicação, com forte acento pragmatista, com as pesquisas de C. Cooley e R. Park, ambos influenciados por G. Tarde, G. Simmel e J. Dewey. Essa leitura da hybris do ponto zero da Comunicação é demarcadamente moderna, estadunidense, masculina e branca. As propostas estadunidenses também são, por sua vez, colonizadas pelas contribuições europeias, que instituem modos modernos de pensar e de conceber o social e a sociedade, bem como as relações interpessoais.
Na vertente funcionalista, o autor menciona Harold Lasswell como inaugurador da Masss Communication Research. Nos anos 1940 essa abordagem floresce com Paul Lazarsfeld, Robert K. Merton, Bernard Berelson, John Klapper, Wilbur Schramm, Morris Janowitz, Daniel Lerner, Kurt Lewin, Carl I. Hovland, Charles Osgood e Elihu Katz. Esses homens brancos e da elite vinculavam-se ao tratamento sociológico conferido às mídias de massa. Tais nomes, em certa medida, revelam a impossibilidade de não-brancos produzirem conhecimento científico e serem reconhecidos e validados caso o produzam.
Sodré (2002) cita M. McLuhan como responsável pela popularização da Teoria da Informação nos anos 1960, voltando-se, prioritariamente, para uma teoria literário-sociológica da cultura. Na Europa, ao destacar os estudos de cultura e de linguagem, o autor destaca U. Eco e P. Fabbri. Na vertente dos estudos culturais, menciona M. Arnold, R. Leavis, R. Hoggart, R. Williams e S. Hall —autor negro jamaicano radicado inglês— com influências de G. Lukács e W. Benjamin. O autor destaca a Escola de Frankfurt, de influência crítico-marxista, com M. Horkheimer e T. Adorno, e W. Benjamin, L. Löwenthal, H. Marcuse e J. Habermas como integrantes da Teoria Crítica. Na América Latina, o autor cita J. Martín-Barbero, G. Orozco Gómez —influenciados por R. Williams—, L. R. Beltrán, E. Verón, A. Ford, D. Blanco e F. Andacht.
O segundo livro, Teorias da comunicação..., organizado por Antônio Hohlfeldt, Luiz Martino e Vera França, reúne textos escritos por brasileiros. A obra trata da epistemologia e das origens históricas da comunicação e como ela se configura como objeto interdisciplinar com base nos paradigmas que a conformam. O livro trata dos paradigmas e das tendências em Comunicação, ressaltando a pesquisa estadunidense, a Escola de Frankfurt, os Estudos Culturais Ingleses, o pensamento contemporâneo francês, as hipóteses contemporâneas de pesquisa em Comunicação, as pesquisas latino-americanas e o viés semiótico. Assim como na obra de Sodré (2002), há um cânone de autores masculinos brancos e escolas estadunidenses e europeias que colonizam a tradição comunicacional global e brasileira.
O esquema de Lasswell é acionado por Martino (2001, p. 20) para destacar os “principais objetos historicamente privilegiados pelo funcionalismo: a persuasão, o controle social, os usos e gratificações, os processos de produção das notícias [...]”. O autor aponta que a Comunicação “[...] surge da necessidade de compreender este novo sentido dos processos comunicativos e que ela tem nas novas práticas que envolvem o uso dos meios de comunicação o seu objeto de estudo” (Martino, 2001, p. 36). Para ele, a concepção de comunicação é essencialmente midiática e concebida apenas a partir da modernidade.
Vera França (2001, p. 53) destaca que a aceleração dos estudos comunicacionais reflete “o papel central ocupado pela ciência, que responde cada vez mais pelo progresso e planificação da vida social”. Ela enfatiza o pioneirismo dos “pais fundadores” nos estudos das funções e dos efeitos das mídias de massa a partir de 1930, nos Estados Unidos, pela Mass Communication Research. Para ela, a concepção moderna de ciência europeia impacta na concepção de um campo de estudos dos fenômenos midiáticos. A Escola de Chicago e a Escola de Palo Alto são mencionadas como centros de estudos voltados para a comunicação humana e social. Na Europa, há a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica, bem como os Estudos Culturais ingleses. Na América Latina, a autora pontua a Teoria da Dependência. Mais uma vez, é recorrente os mesmos autores e escolas que “fundam” a Comunicação.
A pesquisa estadunidense é mencionada tanto por Ferreira quanto por Araújo. Ferreira inclui E. Katz à corrente funcionalista dos meios de comunicação de massa e cita a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica. Araújo registra Park, Cooley e E. Burgess como integrantes da Escola de Chicago, e frisa a participação de G. H. Mead e H. Blumer na mesma escola. Ele apresenta G. Bateson, E. Goffman e P. Watzlawick como membros da Escola de Palo Alto. Araújo acrescenta Shannon e Weaver, Lasswell, Lazarsfeld, Hovland, Lewin, R. Merton e C. Wright, vinculados à pesquisa de comunicação de massa. Essa mesma recorrência de referências consolida um cânone que se perpetua quando tais livros são citados por trabalhos e pesquisas em Comunicação. Isso acaba por fazer durar a colonialidade moderna nas abordagens comunicacionais brasileiras.
Francisco Rüdiger menciona Adorno, Horkheimer, E. Fromm e Marcuse, da Escola de Frankfurt. Como periféricos ao grupo, cita Benjamin e S. Kracauer. Na segunda geração da escola, o autor adiciona Habermas. Para Rüdiger (2001, p. 132), a importância das mídias era fundamental, pois os frankfurtianos “vieram a descobrir a crescente importância dos fenômenos de mídia e da cultura de mercado na formação do modo de vida contemporâneo”.
Escosteguy foca nos Estudos Culturais ingleses e destaca as contribuições de R. Hoggart, R. Williams e E. P. Thompson. Stuart Hall também é vinculado aos Estudos. As proposições inglesas, em um segundo momento, atentam para “a importância crescente dos meios de comunicação de massa, vistos não somente como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos do Estado” (Escosteguy, 2001, p. 160). A importância dos Estudos deve-se à reivindicação da inclusão de questões de gênero, raciais e de classe aos estudos sobre a comunicação, iniciando, podemos dizer, um tensionamento das questões coloniais.
O livro Teoria da comunicação..., inicia expondo a pesquisa estadunidense. Essa corrente, com a Teoria Matemática, são as primeiras abordagens apresentadas, antes mesmo da Escola de Chicago, historicamente anterior. A obra trata da “produção da comunicação”, destacando a noção de opinião pública de W. Lippmann, o modelo de Lasswell, o modelo de C. Osgood e W. Schramm, as funções da mídia em Merton e Lazarsfeld, o modelo em espiral em F. Dance, o modelo geral de comunicação em G. Gerbner, os estudos de newsmaking com G. Tuchman, os estudos de produção de notícias com base na noção de gatekeeper, os modelos de B. H. Westley e M. S. McLean Jr. e o efeito de enquadramento.
O primeiro capítulo ressalta “[o] ritmo como os meios de comunicação ocuparam a vida cotidiana [...]” e como “[o] crescimento das mídias não encontrava paralelo na história e alteravam a dinâmica da sociedade em diversos níveis [...]” (Martino, 2009,
p. 23). Esse contexto impacta nas primeiras pesquisas sobre a comunicação, que se voltaram, exclusivamente, para os meios de comunicação de massa. Isso historicamente conferiu prevalência do sentido midiático ao termo “comunicação”, evidenciando assim um olhar colonialista à comunicação.
O livro também apresenta a Escola de Frankfurt, que buscava entender as interfaces entre modernidade e relações sociais, com ênfase nas noções de indústria cultural, aura, mercadoria, obra de arte e esfera pública. Para a Teoria Crítica, “[...] a cultura de massa é o conhecimento transformado em instrumento de controle, parte tecnocrática da Modernidade, invadindo e burocratizando até a cultura” (Martino, 2009, p. 55). Assim, inferimos que a modernidade, implica na colonialidade do saber ao ajustar e conformar a cultura de massa, regida pelas mídias, em instrumento de poder. As dinâmicas comunicacionais, então, em sua gênese investigativa de manifestações midiáticas, estiveram diretamente atreladas às práticas modernas de colonialidade do saber.
Por fim, Martino (2009) aborda a Teoria da Informação. Em virtude da “centralidade das tecnologias de comunicação” e de uma “perspectiva centrada nos meios de comunicação” (Martino, 2009, p. 262), decorrentes da influência da Teoria Matemática e da Mass Communication Research, como visto nessa obra de Martino (2009) e também em outros livros mais citados no Brasil, outras correntes e abordagens, como a Escola Canadense de Mídia ou Escola de Toronto, confere papel-chave às mídias.
Em A ciência do comum..., Sodré (2014) destaca a tentativa de definição do objeto da Comunicação, seu estatuto científico e disciplinar na construção de reflexões acerca da cientificidade comunicacional no conjunto das Ciências Humanas, tomando a Comunicação como a Ciência do século XXI. Para isso, percorre o histórico de formação dos estudos comunicacionais, confrontando-os com os paradigmas clássicos da escola sociológica e indicando a insuficiência do paradigma informacional. O autor destaca a formulação de comunicação de Cooley em 1909, vinculado à Escola de Chicago e ao Interacionismo Simbólico. Sodré (2014) cita os “pais fundadores” como filiados à corrente da pesquisa de comunicação de massa. Entre outros pesquisadores, menciona Bateson, Heinz von Foerster e N. Wiener como pensadores da comunicação sistêmica. Wilbur Schramm é citado no que tange ao processo de institucionalização de cursos de comunicação estadunidenses. Sodré (2014) aborda, ainda, as vertentes europeias oriundas do estruturalismo e realiza um diagnóstico acerca da dispersão cognitiva dos estudos em comunicação brasileiros. Entre os europeus, ressalta Adorno, Horkheimer e Marcuse. Antes mesmo dessas abordagens, menciona as contribuições de W. James, C. S. Peirce, Dewey e Mead, como também de Durkheim, Tarde e Simmel.
Com base nesse histórico, Sodré (2014) destaca o impacto que as correntes hegemônicas estadunidenses tiveram na definição moderna de comunicação e na perpetuação dos seus sentidos transmissivo, informacional, técnico e midiático, com repercussões na Europa. Para ele, a Comunicação é moderna, capaz de reagrupar reflexões frente à “crise da ética da modernidade” (Sodré, 2014, p. 113). O autor defende que uma ciência da comunicação humana, conforme seu viés antropotécnico, constitui-se na direção da diversidade e da historicidade. Para isso, ressalta a importância das técnicas modernas como organizadoras das coletividades humanas por meio de um comum compartilhado. Com isso, critica as visadas coloniais estadunidense e europeia da concepção midiática, informacional e técnica de comunicação, pois compreende que ela “configura-se aqui como forma de vida social ou um ecossistema tecnológico com valores humanos pautados pela realização eletrônica” (Sodré, 2014, p. 20).
Por fim, ele destaca como se dá a organização do comum, ponto central em sua compreensão de comunicação, dosando as influências midiáticas e dos estudos funcionalistas com uma perspectiva que se ocupa do comum, como abertura para laços intersubjetivos que podem promover a coesão comunitária e as relações sociais midiatizadas. É justamente essa parte que pode ser retomada como enfrentamento aos sentidos hegemônicos de comunicação e ao paradigma dominante.
No livro Epistemologia da comunicação, predominam autores masculinos, sobretudo da região centro-sul do Brasil. No capítulo inicial, Raúl Navarro se volta para a legitimação, a institucionalização e a profissionalização do campo da Comunicação. Ao se fundamentar em P. Bourdieu para sustentar a ideia de campo, Navarro também recorre a K. Popper e a T. Kuhn para destacar a qualidade científica da Comunicação, imbricada em condições modernas de racionalidade e poder. Nas palavras do autor, “El ‘critério de demarcación’, la distinción entre el conocimiento científico y el no científico, es ahora, en vez de una norma de unificación, un objeto más de discusión, sometido tanto a las condiciones de la racionalidad como a las del poder.” (Navarro, 2003, p. 20). A epistemologia da comunicação, então, constrói-se ao recorrer ao suposto recurso de autoridade inquestionável apresentado pela ciência moderna. Nessa construção, o autor reforça a legitimação de certas perspectivas, o que acomete, inevitavelmente, à deslegitimação de outras. Para Navarro (2003), a corrente estadunidense assume centralidade no processo de institucionalização da Comunicação, pelos vieses coloniais de interesse.
Por outro lado, Martino (2003, p. 84) sublinha que a aproximação da Comunicação à ciência não é acordada pelo campo, pois “[há] uma grande desconfiança sobre o estatuto desse saber, que paradoxalmente oscila entre uma não-disciplina (apenas um campo de aplicação para as disciplinas das mais variadas ciências [...]) e uma superdisciplina”. Ele complementa que a “Comunicação aparece ora como muito pouco consistente para ser ciência, ora como fundamento e acabamento das ciências humanas.” (Martino, 2003, p. 84). Esse movimento de não aproximação ou atribuição de estatuto científico à Comunicação é mais latino-americano do que estadunidense e europeu, pois considera que os estudos midiáticos e de comunicação possuem caráter científico.
Várias passagens do livro relativizam o sentido midiacêntrico historicamente colonizador do termo “comunicação” ao retomarem a sua etimologia, como o faz Adriano Duarte, e atrelá-lo às relações sociais produzidas por meio de mediações. As relações comunicativas, assim, “estudam os processos sociais que ocorrem por meio de signos, códigos, suportes, sistemas que, estruturados, são significativos”, segundo Ferrara (2003, p. 63). Textos como o de Aidar Prado defendem que a comunicação é uma encruzilhada, ou seja, um lugar de encontro entre saberes e entre alteridades. Ferreira, Stumpf e Weber retomam o paradigma da comunicação de massa, a Escola de Frankfurt e o modelo transmissivo para situar as tradições históricas de formação do campo da Comunicação e as condições de constituição de uma Epistemologia da comunicação.
Em síntese, os livros apresentam como hybris do ponto zero da comunicação as seguintes abordagens: Escola de Chicago (interacionismo simbólico), Mass Communication Research, Escola de Frankfurt, Teoria Matemática e Escola de Palo Alto. Essas abordagens, formuladas sobretudo por homens brancos, são as mais recorrentes, configurando-se como cânone tradicionalmente perpetuado em Teorias da Comunicação no Brasil. Isso reforça e evidencia a relação mútua entre colonialidade do poder, do saber e do gênero, incidindo sobre e formatando uma geopolítica do conhecimento.
Com efeito, vários dos pesquisadores abarcados por essas perspectivas se dedicaram ao estudo das mídias de massa. Todavia, tais abordagens desconsideraram as práticas comunicacionais latino-americanas, africanas e orientais. Tais estudos também influenciam e configuram a institucionalização de um campo autônomo, ainda que reconhecido como multi, trans e interdisciplinar, ou mesmo indisciplinar. O que se passa é a perpetuação histórica de um modelo não universal, de modo que experiências que nele não se encaixam ou que a ele resistem são desconsideradas. Por isso, é urgente olhar para a modernidade, ocidentalmente concebida, como experiência antropológica específica, que se atualiza com o advento das mídias massivas e, mais recentemente, dos meios digitais. A modernidade/colonialidade se efetiva por meio de sua tecnocracia amparada nas mídias e em como difundem e impõem saberes, colonizando seres e demarcando a mídia como instituição de poder e controle no século XX, com impactos profundos no século XXI, que ainda perpetua, principalmente, o sentido midiacêntrico de comunicação, modernamente colonizado.
3. Considerações finais: sobre horizontes de enfrentamento e atitudes decoloniais
Diante do exposto, propomos possibilidades de enfrentamento à colonialidade do campo comunicacional brasileiro. Entre vários problemas, tal colonialidade corrobora como hybris do ponto zero das abordagens comunicacionais, hegemonicamente difundidas, principalmente no Brasil e na América Latina, ao se constituir pela emergência das mídias massivas, restringindo a palavra “comunicação” a um sentido moderno informacional, transmissivo e midiacêntrico.
É importante destacar que Sodré (2002, 2014) critica o modelo informacional da comunicação e o que denomina bios midiático. O autor também admite que outras formas comunitárias de comunicação ou de fazer o comum possam vir a ser objeto da Comunicação, pois a concebe como a Ciência do comum. Vale destacar que duas das cinco obras mais citadas foram elaboradas por ele. Sodré se autodeclara homem negro, ligado historicamente aos movimentos negros brasileiros e próximo às religiosidades de matriz africana. No entanto, operando em sua obra a separação moderna entre mente, corpo/razão e afetos, essas experiências são mantidas em domínios separados. Se por um lado, o autor critica o modelo informacional dominante, por outro, continua a enfatizar a modernidade das práticas comunicacionais como hybris do ponto zero da Comunicação, sem nenhuma relação, por exemplo, com a questão racial, tratada em outras obras não analisadas.
Dentro da diversidade de coletâneas, como as organizadas por Hohlfeldt, Martino e França (2001) e por Lopes (2003), as “Teorias da Comunicação” resultam da cientificização do social, decorrente do fenômeno das massas e dos meios técnicos, dividindo as possibilidades de caminhos entre os percursos críticos inaugurados pela Escola de Frankfurt e os percursos integrados preocupados com a eficácia técnica da comunicação do funcionalismo – seja como processo, seja como modelo. Algumas obras começam a esboçar pontos de fuga à hybris do ponto zero em dois sentidos: apontar para o Pragmatismo e para as interações sociais como locais privilegiados de observação do fenômeno comunicacional e recorrer à cultura e aos Estudos Culturais com ênfase no simbólico e nas representações.
Encontramos algumas ressonâncias com a autocrítica que realizamos no texto de Aidar Prado pela ênfase na ideia de comunicação com base nas diferenças, e não de um comum homogêneo, eficaz e harmônico. Nesse sentido, nosso principal apontamento quanto às possibilidades de enfrentamento da modernidade/colonialidade é a aproximação com regimes de conhecimentos indígenas, afrodiaspóricos e populares, que nos encaminha para as direções ainda timidamente apontadas por formulações como as de Prado (Lopes, 2003) e Martino (2017). Seria uma maneira de enfrentar os chamados “pais fundadores”, isto é, o patriarcado branco elitista, embora a objetividade da ciência oblitere suas subjetividades que, no entanto, estão lá.
Frente a esse panorama inicial, este artigo propõe horizontes para enfrentar a colonização da Comunicação, tendo em vista a necessidade de sua desocidentalização e de formas ex-cêntricas (Villanueva, 2019, 2020) de pesquisa, as seguintes atitudes decoloniais: buscar aproximações com as ontoepistemologias de coletivos que vivenciam regimes de saber distintos do ocidental (saberes tradicionais indígenas, afrodiaspóricos e populares); criar protocolos ou metodologias de encontros de conhecimento (Carvalho, 2018) que, ao tratar a comunicação como relação, vínculo e compartilhamento, possam retomar a etimologia da palavra “comunicação” e a sua capacidade de produzir diálogos interepistêmicos (De Oliveira, Figueroa e Altivo, 2021).
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1 Disponível em https://www.compos.org.br/programas.php. Acesso em16 mar. 2021.